Romance:
Trecho do Livro:
Àquela noite não tinha inspiração alguma. Precisava dar uma volta, espairecer, esfriar a cabeça, tentar arranjar os seus neurônios, os poucos neurônios que ainda tinha em funcionamento.
Andou a esmo pela rua. Atravessou a Praça da Alfândega e, caminhando sempre, foi dar no cais. Cruzou o grande portão e olhou para o rio. Lá no fundo do horizonte ainda se podia ver resquícios do pôr do sol, riscas de vermelho lilás e laranja, lutando contra a escuridão da noite que invadia a cidade. Era o último grito sufocado do dia que se esvaía...
Seguiu pela borda do cais, entre guindastes enormes e assustadores. Silhuetas de gigantes imaginários. Caixas e sacos empilhados. A paisagem do rio às vezes era interrompida por um enorme navio atracado. Mancha escura pontilhada, aqui e ali, de janelinhas amareladas de luzes fracas. Um ou outro marujo subia ou descia a rampa de acesso dos navios.
- Ôi gato! Vamos dar uma voltinha?
- Hein? Não, garota. Não estou para programas hoje.
- Algum problema cara? Se tá com algum grilo na cabeça
o melhor remédio é tomar um chope em boa companhia...
Ele sorriu da simplicidade da sua técnica de caça.
- Não obrigado.
- Um chopinho só. Você vai ver como vai melhorar em seguida. Eu conheço um barzinho bem discreto. Vamos?
Ele olhou para a garota com ternura. Era jovem, bonita e não tinha aparência de uma garota de programa. Seus dentes alvos e parelhos lhe emprestavam um sorriso lindo, cheio de vida.
- Então? Não se decidiu ainda?
- OK, vamos.
No barzinho, pequeno e bem decorado, os dois se sentaram a uma mesa, num canto. E ficaram silentes na frente dos copos de chope, recém servidos, com a sua espuma branca, coroando o líquido dourado. Havia música baixinho, tocando bossa nova.